Hoje eu me peguei pensando que a gente nunca sabe a que horas vai dar no pé desse planetinha azul. Mas como é de costume, acabei me preocupando justamente com o detalhe de menor importância. Achei fundamental deixar um epitáfio pronto, por escrito e registrado aqui no blog, para que ninguém se faça de desentendido. Vai que eu junto os calcanhares hoje mesmo e aí vão ter que incumbir alguém desse trabalho sujo. E vai que o infeliz resolva cometer o equívoco de me homenagear, né? Então achei melhor antecipar as coisas e deixar tudo pronto, para evitar complicações posteriores. Sim, porque faço questão de um epitáfio. Não poderia sair de cena assim, no vazio. Então segue o dito cujo:
Aqui jaz um saco de ossos. Sim, porque eu já dei no pé faz tempo. Coisa mais sem graça é cemitério. Se ainda tivesse vista pro mar...
Da vida levo alguns arranhões na alma e nenhum arrependimento. E se fiquei devendo alguma coisa, agora mesmo é que não vou pagar.
quinta-feira, 5 de setembro de 2013
quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013
Questões de gênero
Eu me divertia muito com aqueles programas de namoro do Silvio Santos, principalmente quando ele perguntava ao candidato sobre seus relacionamentos anteriores, por que não tinham dado certo. A resposta quase sempre era a mesma.
− Incompatibilidade de "gêneros".
Então talvez fosse o caso da criatura tentar alguém do mesmo gênero, pensava eu.
***
Dia desses entrei no elevador com um cara que pesava mais ou menos uns 150 kg. Ele respirava com dificuldade e batia papo com um vigia fardado. Quando o gordinho desceu, alguns andares antes do térreo, o vigia comentou comigo:
− Agora tá assim, mas jogava muita bola.
Percebi que “jogar muita bola” é um atenuante para tudo. Certamente a qualidade mais valorizada em um homem quando analisado por outro homem. Ou talvez a única permitida.
***
O cartunista Laerte é um dos caras mais inteligentes e respeitáveis que eu conheço. Além de fazer tirinhas geniais, de uns anos pra cá ele resolveu extrapolar a sua feminilidade, vestindo-se literalmente de mulher. Mas o mais interessante disso é que, nessa história toda, a sua preferência sexual é o que menos importa, pois só diz respeito a ele mesmo. O que fica claro é que ele desafia as diferenças de gênero para ir mais além: para que as pessoas se perguntem por que as coisas são como são. É algo que deveríamos fazer o tempo todo e fazemos tão pouco. Assisti a uma entrevista em que ele chamava atenção para o fato dos homens serem mais rígidos nesse sentido. As mulheres usam cabelo curto e roupas masculinas desde o século passado, mas ver um homem vestido de mulher hoje em dia ainda é um choque tremendo.
Em tempo: Laerte usava um vestido curto na entrevista. E as suas pernas depiladas, olha, vou te contar...
domingo, 27 de janeiro de 2013
Boate Kiss, a dor de cada um
Dia desses eu estava na fossa e acabei escrevendo um
poeminha que falava sobre a nossa incapacidade de sentir a dor dos outros. Era
tão ruim que eu deletei. Mas era mais ou menos assim: “A dor do outro é protegida
por arame farpado. Sofrimento é propriedade particular”. Sofrível é o poema,
sim, eu sei. Mas pior que isso: ele não faz sentido. Ou deixou de fazer sentido
quando chegou até mim a notícia da tragédia de Santa Maria, com mais de 230
mortos, trancados em uma boate. Muitos deles asfixiados pela fumaça. Alguns
carbonizados. O sofrimento daquelas pessoas, de seus familiares, dos amigos, dos
sobreviventes, dos bombeiros, do RS e do Brasil é hoje o meu sofrimento também.
Coletivo, compartilhado, multiplicado.
Não me interessam na verdade os erros de cálculo ou de noção
que motivaram a tragédia. A dor é maior que tudo. E eu me surpreendi com ela
presa no meu peito. Tudo bem que eu tenha uma ligação com a cidade, pois vivi
lá anos muito legais da minha vida. Tudo bem que eu me identifique de certa
forma com aqueles jovens, pois já frequentei, como eles, locais parecidos. Estive
exposto aos mesmos riscos. Mas por que, se não tenho parentes envolvidos na
tragédia, ou amigos... por que ela me dói assim? Não tenho essa resposta e acho
que nem é necessário tê-la. Talvez eu pense na minha filha, que felizmente
dormia tranquila em seu quarto quando tudo aconteceu. Tem apenas seis anos.
Gostaria que tivesse seis anos pelo resto da vida.
Investigando o que sinto, talvez eu encontre culpa. Culpa
por fazer parte dessa humanidade que não trata mal apenas velhos e crianças.
Que trata mal os seus jovens. Antigamente os enviava à guerra. Hoje os embebeda
e coloca diante de um volante. Hoje os trancafia dentro de uma boate em chamas.
Hoje os expõe a uma vida de incertezas, de violências das mais diversas
proporções. Sim, como humano sou culpado. Falhei com eles. Por isso sofro por
eles e com eles.
Mas, talvez, pensando bem, meu poema estivesse certo. Posso
imaginar hoje o que sentem os familiares das vítimas, mas não chego nem perto
de saber o que estão realmente sentindo. Não há como. Só desejo que possam
sepultar os seus filhos e amigos em paz e que encontrem, em todos os próximos
dias de suas vidas, alguma razão para que a dor seja, ao menos, minimizada.
Porque não importa o que se faça ou o que aconteça, o fogo do teto da boate
Kiss nunca vai se apagar. E para um pai, uma mãe, a falta que um filho faz
é algo que só eles podem sentir e que ninguém poderá jamais entender ou
explicar.
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