domingo, 27 de janeiro de 2013

Boate Kiss, a dor de cada um


Dia desses eu estava na fossa e acabei escrevendo um poeminha que falava sobre a nossa incapacidade de sentir a dor dos outros. Era tão ruim que eu deletei. Mas era mais ou menos assim: “A dor do outro é protegida por arame farpado. Sofrimento é propriedade particular”. Sofrível é o poema, sim, eu sei. Mas pior que isso: ele não faz sentido. Ou deixou de fazer sentido quando chegou até mim a notícia da tragédia de Santa Maria, com mais de 230 mortos, trancados em uma boate. Muitos deles asfixiados pela fumaça. Alguns carbonizados. O sofrimento daquelas pessoas, de seus familiares, dos amigos, dos sobreviventes, dos bombeiros, do RS e do Brasil é hoje o meu sofrimento também. Coletivo, compartilhado, multiplicado.

Não me interessam na verdade os erros de cálculo ou de noção que motivaram a tragédia. A dor é maior que tudo. E eu me surpreendi com ela presa no meu peito. Tudo bem que eu tenha uma ligação com a cidade, pois vivi lá anos muito legais da minha vida. Tudo bem que eu me identifique de certa forma com aqueles jovens, pois já frequentei, como eles, locais parecidos. Estive exposto aos mesmos riscos. Mas por que, se não tenho parentes envolvidos na tragédia, ou amigos... por que ela me dói assim? Não tenho essa resposta e acho que nem é necessário tê-la. Talvez eu pense na minha filha, que felizmente dormia tranquila em seu quarto quando tudo aconteceu. Tem apenas seis anos. Gostaria que tivesse seis anos pelo resto da vida.

Investigando o que sinto, talvez eu encontre culpa. Culpa por fazer parte dessa humanidade que não trata mal apenas velhos e crianças. Que trata mal os seus jovens. Antigamente os enviava à guerra. Hoje os embebeda e coloca diante de um volante. Hoje os trancafia dentro de uma boate em chamas. Hoje os expõe a uma vida de incertezas, de violências das mais diversas proporções. Sim, como humano sou culpado. Falhei com eles. Por isso sofro por eles e com eles.

Mas, talvez, pensando bem, meu poema estivesse certo. Posso imaginar hoje o que sentem os familiares das vítimas, mas não chego nem perto de saber o que estão realmente sentindo. Não há como. Só desejo que possam sepultar os seus filhos e amigos em paz e que encontrem, em todos os próximos dias de suas vidas, alguma razão para que a dor seja, ao menos, minimizada. Porque não importa o que se faça ou o que aconteça, o fogo do teto da boate Kiss nunca vai se apagar. E para um pai, uma mãe, a falta que um filho faz é algo que só eles podem sentir e que ninguém poderá jamais entender ou explicar.